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quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Parto Domiciliar: refletindo sobre paradigmas (Dra Melania Amorim)

Dra. Melania Maria Ramos de Amorim

Parto domiciliar: refletindo sobre paradigmas

“A humanização do nascimento não representa um retorno romântico ao passado, nem uma desvalorização da tecnologia. Em vez disso, oferece uma via ecológica e sustentável para o futuro”
(Ricardo Herbert Jones)

Ana Paula Caldas, médica neonatologista, em parto domiciliar, imediatamente depois do nascimento de Lis - Foto: Ana Cristina Duarte
Ana Paula Caldas, médica neonatologista, em seu parto domiciliar, imediatamente depois do nascimento de Lis - Foto: Ana Cristina Duarte

Quando começamos a escrever esta coluna para o Guia do Bebê, em 2010, nosso primeiro artigo abordou um assunto que começava então a despertar o interesse da mídia brasileira: o parto domiciliar (1). Na oportunidade, revisamos as evidências científicas disponíveis e concluímos que o parto domiciliar, uma realidade frequente em outros países, como Holanda, Inglaterra e Canadá, representava uma alternativa segura para as gestantes de baixo risco, resultando em menor taxa de intervenções como episiotomia, analgesia, operação cesariana e parto instrumental (fórceps e vácuo-extrator), sem aumento do risco de complicações para mães e bebês (2-4). Destacamos a publicação, em 2009, de um grande estudo de coorte comparando mais de 500.000 partos domiciliares ou hospitalares planejados em gestantes de baixo risco, no qual não se verificou diferença significativa no risco de morte fetal intraparto, morte neonatal precoce e admissão em unidade de terapia intensiva (UTI) neonatal (4).
Interrompendo temporariamente nossa série de artigos sobre Parto Normal vs. Cesárea (5-7), voltamos agora a abordar este tema, que recentemente retoma a atenção da mídia despertando intensa polêmica, depois da publicação de matéria online no site da maior revista de atualidades brasileira, com o título sensacionalista “Parto domiciliar: quando o risco não é necessário” (8). Depois de publicar uma controvertida matéria sobre os milagrosos efeitos de uma medicação antiobesidade (9) que não é aceita pela comunidade científica com esta finalidade (10,11) a revista volta a fazer incursões na área de saúde, mas desta vez em paz com os “conselhos de medicina”, ao alertar que o parto domiciliar estaria expondo mulheres e crianças a “complicações que podem ser graves” (8).
À parte considerações puramente semânticas às quais não iremos nos ater, a matéria presta um desserviço à população com suas afirmações categóricas e sem embasamento científico, em que se confundem mau jornalismo e julgamentos apressados, além de um amontoado de lugares-comuns, como exemplificado no seguinte trecho do primeiro parágrafo: “Depois da revolução pela qual a medicina passou no século 20, hospitais tornaram-se lugares mais seguros e indicados não só para tratamento de doentes, como para o nascimento de crianças. É regra que, dadas as condições, não faz mais sentido realizar um parto dentro casa, sujeito a problemas com consequências potencialmente desastrosas que poderiam ser resolvidas em um hospital. Regra, no entanto, que algumas mulheres moradoras de grandes centros urbanos, com todas as condições de usufruir desses avanços da medicina, questionam e ignoram. Essas mulheres defendem o parto à moda antiga, dentro de casa.”(8)
Ora, quem ditou essa regra que as transgressoras “moradoras de grandes centros urbanos” resolvem agora “questionar e ignorar”, defendendo o “parto à moda antiga”? Por que a revista afirma que hospitais são os “lugares mais seguros e indicados não só para tratamento de doentes, como para o nascimento de crianças”? Por que os representantes de conselhos e sociedades batem tanto na tecla de “riscos eminentes”? Seriam os riscos tão importantes assim ou foi somente um erro de grafia? E finalmente, quais são as reais implicações do artigo publicado por Joseph Wax (12) no “conceituado periódico médico internacional”, o American Journal of Obstetrics and Gynecology (AJOG)?
Vamos por partes. Primeiro, é fato que houve grandes avanços na Medicina durante o século XX e que, por conta destes avanços, verificou-se notável queda da mortalidade materna e perinatal. Em decorrência da antissepsia e da descoberta de antibióticos, a par da introdução das modernas técnicas anestésicas, tornou-se mais seguro realizar uma cesariana, e é fato inconteste que uma cesariana bem indicada é salvadora (13,14). Transfusão sanguínea, uso de antibióticos, prevenção e tratamento das convulsões com sulfato de magnésio, todas essas tecnologias bem empregadas levaram à redução das mortes maternas por hemorragia, infecção e hipertensão e são estratégias que devem estar facilmente disponíveis nos serviços de saúde para as situações de alto risco (15). No entanto, taxas de cesariana superiores a 15%-20% não resultam em redução das complicações e da mortalidade materna e neonatal e, ao contrário, podem estar associadas a resultados prejudiciais tanto para a mãe como para o concepto (16-18).
Por outro lado, o processo de hospitalização do parto, coincidindo com esses avanços, gerou infelizmente uma elaborada proliferação de ritos e rituais em torno deste evento fisiológico, como alerta Robbie Davis-Floyd em seu instigante livro “Birth as an American Rite of Passage”(19). Esses ritos e rituais adotados pelo modelo tecnocrático de assistência ao parto vigente no mundo ocidental foram introduzidos sem evidências científicas corroborando sua efetividade e vieram como “respostas ao medo exagerado deste processo natural do qual depende a continuidade de nossa existência” (19). Como resultado, intervenções e procedimentos desnecessários como episiotomia (corte no períneo), raspagem dos pelos, lavagem intestinal, uso rotineiro de ocitocina para acelerar o trabalho de parto e cesarianas sem indicação foram progressivamente incorporados à prática médica e ainda seguem sendo realizados como rotina em muitos hospitais brasileiros. De fato, cada parturiente internada em hospital passa a ser vista como “paciente” e submetida, portanto, às “regras” desse hospital para todos os “doentes”(20) .
Foi contra essa medicalização excessiva de um processo fisiológico que os movimentos de contracultura se voltaram nos anos 1960 e 1970, e foi como consequência da pressão desses movimentos que se começou a estudar a real necessidade, segurança e efetividade de muitos dos procedimentos estabelecidos como rotina na prática obstétrica diária (21). O novo paradigma da “Saúde Baseada em Evidências” , iniciando-se na Medicina e avançando progressivamente para outras áreas que passam a se integrar em uma perspectiva transdisciplinar, tem seus pilares na década de 1970 e 1980 exatamente na Saúde Materno-Infantil (22), como resposta aos questionamentos sobre o complexo emaranhado de rituais desnecessários permeando a assistência obstétrica e neonatal (19-22).
O movimento de retorno ao que se chama “parto à moda antiga” não é novo nem representa um modismo, e tampouco pretende abdicar do que a tecnologia tem de positivo e atraente, uma vez que intervenções necessárias são bem vindas. Todos os sistemas de saúde que facultam a opção de partos domiciliares como alternativa para as mulheres que assim o desejam contam com sistemas de classificação de risco e disponibilizam não apenas parteiras treinadas como um bom sistema de transferência e transporte, embora não seja verdade que uma ambulância ou UTI móvel fique à porta desses domicílios (2-4). A Organização Mundial de Saúde reconhece como profissionais habilitados para prestar assistência ao parto tanto médicos como enfermeiras-obstetras e parteiras (23) e recomenda que as mulheres podem escolher ter seus partos em casa se elas têm gestações de baixo-risco, recebem o nível apropriado de cuidado e formulam planos de contingência para transferência para uma unidade de saúde devidamente equipada se surgem problemas durante o parto (24,25). Por sua vez, a Federação Internacional de Ginecologistas e Obstetras (FIGO) recomenda que "uma mulher deve dar à luz num local onde se sinta segura, e no nível mais periférico onde a assistência adequada for viável e segura” (26). Tanto o American College of Nurse Midwives(27) como a American Public Health Association(28), o Royal College of Midwives (RCM) e o Royal College of Obstetricians and Gynaecologists (RCOG) apoiam o parto domiciliar para mulheres com gestações não complicadas. De acordo com a diretriz do RCM e do RCOG, “não há motivos para que o parto domiciliar não seja oferecido a mulheres de baixo risco, uma vez que pode conferir consideráveis benefícios para estas e suas famílias” (29).
O que há de novo nos últimos anos é que o tema passou a ter maior visibilidade no Brasil, não somente com a divulgação dos partos domiciliares de algumas celebridades, mas principalmente com o constante debate nas redes sociais, permitindo que as mulheres compartilhassem suas experiências de parto, domiciliar ou hospitalar, e pudessem compará-las. Tornou-se bastante evidente que havia uma parcela crescente de mulheres insatisfeitas com o atual modelo de assistência obstétrica em nosso país, excessivamente tecnocrático e caracterizado por um lado pelas taxas de cesárea inaceitavelmente elevadas no setor privado e, por outro, pelos partos traumáticos e com excesso de intervenções no Sistema Público de Saúde. Apesar da política de Humanização da Assistência ao Parto e Nascimento preconizada pelo Ministério da Saúde no Brasil (30), é fato que o modelo atual, hospitalocêntrico e medicalocêntrico, não permite ainda à maior parte das usuárias ter uma assistência ao parto humanizada e segura. Vivemos ainda em um país onde, "quando não se corta por cima, se corta por baixo", como bem definem Diniz e Chachan, referindo-se às cesáreas e episiotomias desnecessárias (31).
Para completar, uma em cada quatro mulheres brasileiras internadas para assistência ao parto em hospitais públicos ou privados relata ter sofrido violência institucional, traduzida por qualquer forma de agressão perpetrada pelos profissionais de saúde que lhe prestam atendimento. Essas agressões não envolvem apenas o uso de procedimentos, técnicas e exames dolorosos e desnecessários, mas até “ironias, gritos e tratamentos grosseiros com viés discriminatório quanto a classe social ou cor da pele” (32). A violência institucional durante o parto pode assumir múltiplas facetas e representa um problema internacionalmente reconhecido (33). Em diversos hospitais ainda não se permite a presença do acompanhante, mesmo com a Lei 11.108 estabelecendo a obrigatoriedade de tanto hospitais públicos como privados permitirem a presença, junto à parturiente, de um acompanhante durante todo o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato (34).
Em contrapartida, com o crescente acesso à informação e a divulgação da realidade nua e crua do modelo de assistência obstétrica vigente no Brasil, diversas mulheres desejando uma assistência humanizada e segura para os seus partos puderam identificar outros modelos possíveis, já implementados e funcionando a contento em outros países, além de tomar conhecimento das evidências científicas comprovando efetividade e segurança dessas alternativas. Um exemplo é o modelo de assistência obstétrica conduzida por obstetrizes ou parteiras, cujos benefícios foram amplamente demonstrados em uma revisão sistemática da Biblioteca Cochrane: aqui nos referimos àquelas profissionais que fazem curso superior de Obstetrícia, as midwives em língua inglesa, sage-femmes na literatura francesa ou ainda comadronas em espanhol (35).
Essas mulheres, empoderadas e confiantes, não apenas no Brasil, mas também nos Estados Unidos e outros países em que ainda predomina o modelo tecnocrático de assistência ao parto, começaram a buscar profissionais, médicos, enfermeiras-obstetras ou parteiras, que se dispusessem a auxiliá-las nesta jornada rumo a um parto respeitoso, humanizado e seguro. Essas mulheres se deram conta de que parir em suas residências era uma alternativa possível e não apenas luxo, modismo ou excentricidade de famosas. Essas mulheres pesquisaram, leram e estudaram as evidências, e conseguiram encontrar como parceiros os profissionais que também vinham trilhando sua própria jornada transformadora(36), profissionais que se respaldavam no novo e desafiante paradigma da Saúde Baseada em Evidências e buscavam, portanto, modelos de assistência ao parto que funcionassem sob esta perspectiva ecológica e sustentável (37).
Desta forma, verificou-se um aumento do número de partos domiciliares assistidos no Brasil e nos EUA (38-40) e, embora não disponhamos ainda de estatísticas confiáveis sobre o percentual de partos domiciliares planejados em nosso país, sabe-se que nas grandes cidades equipes transdisciplinares vêm se formando e atuando para prestar assistência a esses partos. Depoimentos de mulheres até então anônimas estão disponíveis em blogs e redes sociais. Grupos e comunidades sobre Parto Domiciliar discutem abertamente este tema. Twitter, Orkut e Facebook permitiram a milhares de mulheres trocar informações e partilhar experiências. O tema é palpitante, a discussão está no ar e, como se trata de remar contra a corrente, não é de se admirar que o establishment médico reaja e conselhos e entidades de classe comecem a se manifestar, em geral com posição contrária à prática. Esta reação era previsível, assim transcorrem as revoluções científicas, assim se procedem as mudanças de paradigma: o modelo atual, embora falido e não sustentável em longo prazo, permite ainda a muitos profissionais soluções cômodas a que estes se aferram, de dentro de sua zona de conforto, como a praticidade e a conveniência de programar cesarianas eletivas sem indicação médica definida. Curiosamente, são estes os mesmos profissionais que defendem o "direito" da mulher de escolher sua via de parto, embora aparentemente este direito tenha mão única, só valha para a minoria de mulheres que desejam uma cesariana (6) e não inclua aquelas que desejam um parto normal nem tampouco se estenda para a decisão sobre o local de parto. A voz das mulheres e o seu direito de escolha têm sido grandemente ignorados (39,41).
Não é, portanto, surpreendente a publicação de uma matéria sobre este tema na citada revista de atualidades. Infelizmente, como sói acontecer com as matérias de interesse à saúde publicadas na referida revista, esta é tendenciosa, parcial e não considera ou interpreta equivocadamente as evidências científicas pertinentes. O próprio posicionamento do American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG) é apresentado de forma incorreta, porque em sua última diretriz esta sociedade, conquanto explicite que considera hospitais e centros de parto normal mais seguros, reconhece o DIREITO das mulheres de escolher o local do parto. Citando literalmente o resumo da diretriz, publicada em fevereiro de 2011: “Embora o Comitê de Prática Obstétrica acredite que os hospitais e centros de parto normal sejam os locais mais seguros para o nascimento, ele respeita o direito de uma mulher de tomar uma decisão medicamente informada sobre o parto. Mulheres questionando sobre o parto domiciliar planejado deveriam ser informadas sobre os seus riscos e benefícios baseados nas recentes evidências. Especificamente, elas deveriam ser informadas que embora o risco absoluto possa ser baixo, o parto domiciliar planejado está associado com um risco duas a três vezes maior de morte neonatal quando comparado com o parto hospitalar planejado. É importante que as mulheres devam ser informadas que a adequada seleção de candidatas para o parto domiciliar; a disponibilidade de enfermeiras-obstetras ou parteiras certificadas, ou médicos atuando dentro de um sistema de saúde integrado e regulado; o pronto acesso à consulta; e a garantia de transporte seguro e rápido para os hospitais mais próximos são críticos para reduzir as taxas de mortalidade perinatal e obter desfechos favoráveis do parto domiciliar.” (42)
Interessante é que há cerca de seis meses, outra revista de atualidades, esta internacional, publicou matéria sobre o parto domiciliar: no número de 31 de março de 2011, “The Economist” aborda o tema em uma bela reportagem, exemplo de bom jornalismo. Com o título “Não há nenhum lugar como o lar?” e o subtítulo “O lugar onde as mulheres dão à luz é um assunto controverso no mundo rico”, a matéria prima pelo senso crítico, pelo rigor investigativo e pela isenção, apresentando prós e contras e discutindo o mesmo estudo citado pela revista brasileira, porém com destaque às críticas que este suscitou na comunidade científica. Ao final, em vez de fazer terrorismo contra o parto domiciliar e decretar qual o melhor local de parto para todas as mulheres, uma reflexão importante: “Como em muitos outros aspectos da criação dos filhos, o nascimento ao final irá depender da escolha dos pais – se preferem as luzes brilhantes e a abundância de métodos analgésicos de um hospital ou os confortos familiares do lar.”(43)
Em relação ao estudo citado como evidência dos riscos dos partos domiciliares, no qual o ACOG se apoia para desaconselhar o parto domiciliar, trata-se de uma revisão sistemática com metanálise (12) que tem sido extremamente criticada dentro da comunidade científica, por diversos vieses e erros metodológicos e estatísticos (44-49). Não se trata de um estudo original nem tampouco inclui ensaios clínicos randomizados, apenas estudos observacionais que foram mal interpretados e incluídos ou excluídos arbitrariamente pelos autores nas análises dos desfechos considerados de interesse (49). Esta metanálise tem sido amplamente divulgada como "prova" dos riscos perinatais decorrentes de partos domiciliares e constitui a base para as recomendações do ACOG em relação às informações que devem ser apresentadas como o “estado da arte” das atuais pesquisas sobre parto domiciliar (50). Portanto, iremos discuti-la com maiores detalhes, apresentando uma síntese dos seus resultados e das críticas já publicadas nas revistas científicas internacionais, motivando até mesmo a publicação de uma errata reconhecendo erros na análise estatística(51).
A revisão sistemática de Wax e colaboradores foi apresentada inicialmente no 30º. Encontro Anual da Sociedade de Medicina Materno-Infantil de Chicago em fevereiro de 2010, publicada online no American Journal of Obstetrics and Gynecology em julho de 2010 e na versão impressa em setembro do mesmo ano (12). A metanálise incluiu 12 estudos originais e um total de 342.056 partos domiciliares e 207.551 partos hospitalares planejados. No resumo do artigo, os autores concluem que os partos domiciliares planejados se associam com menor risco de intervenções maternas, incluindo analgesia peridural, monitoração eletrônica fetal, episiotomia, parto operatório, além de menor frequência de lacerações, hemorragia e infecções. Dentre os desfechos neonatais dos partos domiciliares planejados, verificou-se menor taxa de prematuridade, baixo peso ao nascer e necessidade de ventilação assistida. No entanto, apesar de as taxas de mortalidade perinatal serem semelhantes entre partos domiciliares e partos hospitalares, os partos domiciliares se associaram com aumento de cerca de três vezes das taxas de mortalidade neonatal.
O artigo em questão gerou intensa polêmica na comunidade científica internacional, seguindo-se diversas cartas publicadas em sequência no próprio AJOG (44,46,47,52), das quais uma tem o provocativo título “Parto domiciliar triplica a taxa de morte neonatal: comunicação pública ou má ciência?” (45). Diante de todas as críticas, o AJOG resolveu investigar o estudo em questão, e a revisão pós-publicação de fato encontrou erros na análise original, embora não tenha alterado suas conclusões (51). A própria Nature se interessou pela questão, porém mesmo solicitando diversas vezes que tanto Wax como o ACOG comentassem os problemas apontados por vários especialistas, estes declinaram o convite (53). A Elsevier, editora que publica a revista, reconhece os erros, mas não acredita que estes possam motivar uma retratação (54).
Tentando resumir a enorme quantidade de críticas feitas à metanálise de Wax, podemos afirmar que, à diferença das revisões sistemáticas da Cochrane, esta não seguiu as diretrizes estabelecidas internacionalmente para condução e publicação de metanálise, como o PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses) (55) ou o MOOSE (Meta-Analyses and Systematic Reviews of Observational Studies)(56). Diversos erros estatísticos foram cometidos, até porque os autores utilizaram uma calculadora para a metanálise que apresenta vários problemas, resultando em Odds Ratio e intervalos de confiança incorretos, o que foi reconhecido pelo próprio autor do programa (49). No entanto, o principal erro enviesando a análise não foi estatístico, e sim um viés de seleção dos estudos, porque os autores da metanálise excluíram o grande estudo de coorte holandês (4) do cálculo do risco de morte neonatal, embora o tenham incluído no cálculo do risco de morte perinatal. Na verdade, os dados da metanálise são contraditórios em relação à morte neonatal e perinatal basicamente porque os autores definiram morte perinatal como morte fetal depois de 20 semanas ou a morte de um recém-nascido vivo nos primeiros 28 dias de vida, em vez de nos primeiros sete dias de vida, como é a recomendação internacional! (57) Por outro lado, outros estudos usados para calcular o risco de morte neonatal foram incorretamente incluídos e outros que poderiam ter sido incluídos para o cálculo de morte perinatal foram excluídos, por razões que não ficam bem claras. Os dados utilizados para o cálculo de morte neonatal incluíram partos que não tinham sido assistidos por parteiras ou enfermeiras-obstetras certificadas, o que já se demonstrou ser fator importante para redução dos riscos (49). Mesmo revisando os dados e apresentando os gráficos em uma publicação ulterior na revista com os novos números calculados corretamente (51), isto não resolve os sérios problemas metodológicos pertinentes à definição de termos e critérios de inclusão e exclusão (49).
Em suma, como refere Keirse em seu brilhante artigo publicado na Birth em Dezembro de 2010 (“Home Birth: Gone Away, Gone Astray, and Here To Stay”) “combinar estudos de parto domiciliar e hospitalar, sem diferenciar o que está dentro deles, onde eles estão e o que os circunda, é semelhante a produzir uma salada de frutas com batatas, abacaxi e salsão”. (48)
O debate em torno do parto domiciliar, não apenas no Brasil mas em todo o mundo, tem se tornado extremamente polarizado e politizado (48), de forma que nós não esperamos que essas críticas resolvam a polêmica. De fato, pode ser difícil gerar recomendações fortes com base em evidências fracas, oriundas de estudos observacionais, mas o mínimo que profissionais e sociedades deveriam reconhecer é que também não dispomos de evidências fortes corroborando a segurança do parto hospitalar para parturientes de baixo risco e seus neonatos. O desenho de estudo ideal para avaliar uma prática ou intervenção é um ensaio clínico randomizado, e metanálises de estudos observacionais, mesmo quando bem conduzidas e sem erros grosseiros como os encontrados na metanálise de Wax e colaboradores, não têm o mesmo poder das revisões sistemáticas de ensaios clínicos randomizados, como aquelas incluídas na Biblioteca Cochrane.
No entanto, randomizar mulheres para parto domiciliar ou hospitalar é virtualmente impossível: de acordo com Keirse, essas mulheres para quem “tanto faz” parir em casa como no hospital seriam tão raras quanto elefantes brancos (48), mas mesmo que estas mulheres fossem encontradas, dificilmente as conclusões de um ensaio clínico randomizado com esta amostra poderiam ser extrapoladas para mulheres diferentes em situações e contextos clínicos diferentes. Mulheres que DESEJAM ter seus bebês em casa diferem substancialmente daquelas que escolhem um parto hospitalar, da mesma forma que os profissionais que prestam assistência a partos domiciliares ou exclusivamente a partos hospitalares também são bastante diferentes entre si (48).
Dentro do novo paradigma da Pesquisa Translacional, entretanto, em se considerando a implementação de soluções na “vida real”, dentro de uma perspectiva de sustentabilidade e em um modelo de atenção centrado no usuário, é forçoso reconhecer que outros estudos além dos ensaios clínicos randomizados são necessários, o que desafia a hierarquia tradicional da qualidade dos estudos (58). Em um ambiente acadêmico tradicionalmente dominado pelos ensaios clínicos randomizados, desponta a importância de outras abordagens tipológicas não hierárquicas (59). Identificar necessidades, aceitabilidade, efetividade e desenvolver soluções sustentáveis, eis o desafio da pesquisa em Saúde para o século XXI.
Na prática, devemos considerar que tanto gestantes como profissionais de saúde têm sempre o mesmo e primaz objetivo de garantir uma experiência de parto satisfatória, com mãe e bebê saudáveis. Por outro lado, é um direito reprodutivo básico para as mulheres poder escolher como e onde irão dar à luz (60,61). Essa escolha deve ser informada pelas melhores evidências correntemente disponíveis, e essas evidências sugerem, sem se considerar a metanálise equivocada de Wax, que o parto domiciliar é uma opção segura para as parturientes de baixo risco atendidas por profissionais qualificados. Como vantagens em relação ao parto hospitalar se destacam a menor frequência de intervenções para a mãe e o conforto e a satisfação das usuárias, que vivenciam uma experiência única e transformadora em seu próprio lar (37,39,40) As taxas de mortalidade perinatal e neonatal são semelhantes àquelas observadas em partos hospitalares de baixo risco (2-4). No entanto, a decisão final deve se basear tanto nas evidências como nas características e expectativas das gestantes, bem como na experiência e qualificação dos prestadores e nas facilidades de acesso aos serviços de saúde (25,26,28,29).
Mais importante do que criticar as mulheres que escolhem ter um parto domiciliar e condená-las por estarem transgredindo uma “regra” imaginária é discutir e implementar estratégias para aumentar a segurança e a satisfação das usuárias em TODOS os partos (48). Isto inclui tanto melhorar e humanizar a atenção hospitalar no sentido de que os partos assistidos em maternidades ou centros de parto normal possam representar uma experiência gratificante para as mulheres, como estabelecer diretrizes para a seleção adequada das candidatas ao parto domiciliar.
Fotografia: Ana Cristina Duarte
Agradecimentos: Ana Cristina Duarte, Roxana Knobel, Carla Andreucci Polido e Roselene de Araújo, pelos comentários e sugestões; Ana Paula Caldas, por ter cedido a foto e pelo exemplo inspirador.
REFERÊNCIAS
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25. World Health Organization (WHO). Maternal and Newborn Health/Safe Motherhood Unit of the World Health Organization, Care in Normal Birth: A practical guide. Geneva: 1996. Available from: http://whqlibdoc.who.int/hq/1996/WHO_FRH_MSM_96.24.pdf
26. FIGO. Recommendations accepted by the General Assembly at the XIII World Congress of Gynecology and Obstetrics. International Journal of Gynecology and Obstetrics. 1992; 38 (Supplement): S79-S80. Available from: http://www.ijgo.org/article/0020-7292(92)90037-J/pdf
27. American College of Nurse-Midwives. American College of Nurse-Midwives Position Statement on Home Birth. Washington: 2005. Available from: http://www.midwife.org/siteFiles/position/homeBirth.pdf
28. APHA. Increasing access to out-of-hospital maternity care services through state-regulated and nationally-certified direct-entry midwives. APHA Public Policy Statements. Available from: http://mana.org/APHAformatted.pdf
29. Royal College of Obstetricians and Gynaecologists/Royal College of Midwives. Home Births, 2007. Available from: http://www.rcog.org.uk/files/rcog-corp/uploaded-files/JointStatmentHomeBirths2007.pdf
30. Ministério da Saúde. Parto, Aborto e Puerpério: Assistência Humanizada à Mulher, 2001. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cd04_13.pdf
31. Diniz SG, Chacham AS. “The cut above” and “the cut below”: the abuse of caesareans and episiotomy in São Paulo, Brazil. Reproductive health matters. 2004; 12 (23): 100-10. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15242215

Mamiferas


set
27
2011

Sentidos no parto

por Kalu

Existe um cuidado fundamental na hora do parto: o cuidado dos sentidos. Michel Odent comprovou que os mesmos hormônios envolvidos na hora do parto são aqueles presentes na hora do sexo. Por isso, as mesmas condições que precisamos para um ato sexual prazeroso, para que consigamos nos conectar conosco mesmo, como nosso parceiro, são as mesmas condições que precisamos para o nascimento.
Daí surge a necessidade do cuidado dos sentidos. Para os Yogues os seis sentidos são as manifestações mais presentes do divino, da força criadora. Se cuidarmos para que estes estímulos sejam positivos, que nos lembrem do nossos propósito, certamente a experiência de parto pode ser de verdadeiro êxtase.
Por isso é fundamental escolher as pessoas que estarão presentes, para festa ou retiro espiritual. Já participei de partos que foram verdadeiras festas, com chocolate, doces, conversas entre amigas, musica. Já aprticipei de retiros de parto, cujo silencio prevaleceu.
Toque: é importante que o tecido epitelial seja respeitado Dante o trabalho de parto. Ficamos a flor da pele, com o coração em cada célula da pele. A sensação é como se um toque fosse mais profundo e cheio de signifi9cado do que em qualquer momento de nossas vidas. Eu não quis ser tocada durante meu trabalho de parto. O isolamento, silencio foram fundamentais para que eu me conectasse comigo mesma. Algumas pessoas precisam de muito toque, para que, como o bebê, elas se sintam. É através do limite do corpo do outro que a pessoa não se perde. Afinal parir é de desintegrar, se abrir física, emocional e espiritualmente como em poucos momentos da vida faremos. Por isso exames de toque excessivos e outros procedimentos, como “segurar a dilatação na mão” podem ser experiências terríveis de violação do feminino.
Cheiros: os aromas do parto e pós parto serão para sempre lembrados por toda eternidade. Me lembro do cheiro da acácia aqui de casa, que no dia do parto estava carregada de flores. O cheiro do incenso no quarto do meu filho e o cheiro do meu quarto. Me lembro do cheiro do liquido amniótico, o aroma inesquecível do meu filho recém parido. Os cheiros para o parto não podem ser fortes ou invasivos. Mas podemos trazer com aromas lembranças que nos conectam. Nos óleos de massagem essa experiência pode ser extremamente maravilhosa.
Sons: Eu adoro músicas, sou regida por sons. Musicas são importante meios de conexão. Ajudam na concentração. Sempre tenho na bolsa Cd com músicas para o parto. Mantras, sons especiais, trilha sonora do filme orgasmic birth. O ideal é que a gente tenha nas mãos musicas que nos lembrem do nosso propósito para o parto. E também um ambiente e uma equipe que respeite nosso direito ao silencio.
Paladar: Escolher alimentos que goste, leves para o parto é uma forma de preparação para o parto. Um parto, seja um retiro ou uma festa, é uma experiência que pode ser longa, como uma linda viagem. Lembro do gosto do macarrão com cogumelo que comi no meu parto e preparei em um parto domiciliar que atendi.Sabores únicos que nos marcam para sempre.
Visão: ver pessoas que você ama, incluindo o seu filho. Imagem de santos, de pessoas marcantes ajudam a mente a se focar na intenção para o parto. Por siso partos domiciliares são perfeitos: o altar está montado em cada canto. A foto, a história daquela família.
O éter: e para alcançar este, só você com você mesma naquele momento único que tento captar com a minha câmera. Aquele momento de êxtase no xô instante que nasce a vida, que nasce a mãe. O éter, a conexão… Não há como descrever tal momento e quanto mais respeitada a mulher é em cada um dos sentidos, em todos os sentidos, mais o éter a domina.
É esse inexplicável éter que a gente deseja que cada mulher viva e possa contar para outras mulheres. Por que a verdadeira experiência da maternidade é mamífera e divina, em igual proporção.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Relato do Parto de Thais ( mãe da Flora e do Bento)

Conheci o trabalho das doulas quando estava grávida da minha primeira filha. foi através da casa materna/gama, em sp, onde residia e onde comecei a fazer yoga para gestantes. meu marido tb frequentava as aulas e decidimos que seria importante termos uma doula para nos dar mais segurança na hora do parto, para termos mais informações e orientações, já que havíamos decidido fazer um parto natural, ainda que hospitalar.
e realmente, fora todas as orientações pré-parto que tivemos, na hora que a bolsa rompeu, batendo o nervosismo de primeiro parto, tivemos a segurança de ligar para a doula que nos acalmou, nos lembrou de tudo que precisávamos fazer para termos um trabalho de parto mais tranquilo e veio ao nosso encontro assim que pedimos. e foi excelente. nos ajudou com massagens, exercicios e outras técnicas que minimizaram as dores das contrações e que ajudaram muito na progressão do parto, que foi muito bom, sem necessidade de intervenções e sem muita demora.

na gravidez do nosso segundo filho, decidimos que teríamos um parto domiciliar e seria essencial a presença da doula. a doula nos fez visitas de pré-parto, trazendo videos sobre partos, nos emprestando bola para fazer exercicios, muita conversa sobre como faríamos o parto em casa, nos orientando sobre como poderiamos organizar tudo do melhor jeito. sempre em contato, principalmente nas ultimas semanas, fazendo visitas para acompanhar a evolução da gestação e checar a proximidade do parto. e quando o trabalho de parto iniciou, após comunicar meu marido, que estava trabalhando em sp, foi para a doula que liguei e ela foi a primeira a me encontrar, nos acompanhando durante todo trabalho de parto, propondo exercicios, posições e outras coisas para que as dores fossem minimizadas e o trabalho fluisse da melhor forma possível. e o trabalho de parto fluiu muito bem, com poucas dores e evoluindo rapidamente.

considero essencial a presença de uma doula para dar tranquilidade ao casal grávido. para os dois saberem exatamente o que fazer no trabalho de parto. para que as dores do parto sejam minimizadas. para dar suporte ao casal que está muito emocionado na hora e pode ter dúvidas ou incertezas sobre tudo que está acontecendo.

Depoimento do parto de Adriana ( Mãe do Matheus )


... E foi assim na madrugada de 1 de março de 2011 e eu pensava que era apenas uma dor de barriga porque tinha comido creme de abacate a noite, mas não, era o início do trabalho de parto para a vinda do meu pequeno Matheus... e logo vieram as contrações cerca de 2:30 da manhã, maridão um pouco perdido mas logo ligou para a Doula Rose, eu debaixo do chuveiro sentia as primeiras contrações quando chegou o meu anjo (Doula Rose) isso mesmo ela foi o anjo durante todo o meu trabalho de parto ficamos algumas horas em casa (das 3:00 +- até 7:00) no quarto em cima da bola, ela fazia compressas, massagens (óleo cheroso até hoje não sei o que era mas sei que foi uma benção para aliviar a dor), respiração, deitei, levantei, andei, deitei novamente até que a dilatação chegou aos 6 cm quando acionamos a médica obstreta e fomos para o hospital papai, mamãe e a Doula... a dor era forte porém eu suportei até o final graças as respirações que aprendi nas aulas de Yoaga e também o apoio da Doula que não saiu do meu lado um momento dando sempre orientações, sua mão e palavras de conforto me davam força para aguentar a dor, ela foi essencial nesse momento tão importante... Chegando no hospital queriam me colocar em uma cadeira de rodas, esquece!!! Nada disso eu não quis não suportava a idéia de ficar sentada e logo fui ficando de joelhos nas cadeiras de espera da entrada do hospital até entrar na sala de parto... no quarto as contrações aumentaram e a força da Doula me ajudou e não precisei de anestesia, claro que todas as enfermerias queriam me dar anestesia, impressionante como tudo é tão automático e mecânico por parte deles mas isso não funcionou comigo pois sabia exatamente o que eu queriaparto normal. A médica chegou examinou dilatação quase total, estorou a bolsa e iniciamos com a Doula a força e respiração para expulsão... fomos para o centro cirúrgico, papai entrou e começou a falar, tirar fotos e dando força para a mamãe não desistir pois faltava pouco e ele via a cabecinha do Matheuscoroando. Uma mão segurando a mão da Doula Rose e a outra mão segurando a médica e assim foi com muita garra e coragem e em Deus que o meu pequeno Matheus nasceu as 8:51, essa hora foi tudo muito rápido quando vi o Matheus estava nos meus braços um fofo com um biquinho lindo, papai cortou o cordão umbilical e era uma festa no centro cirúrgico, fotos e mais fotos do Matheus com mamãe, papai, Doula, médica ... Agradeço a Deus por essa benção e pela dadiva que recebi nos meus braços MATHEUS.
Esse foi o resultado de todo um trabalho de preparação com a Yoga pré-natal onde aprendi exercícios, respiração e sem dúvida alguma o trabalho da Doula durante o pré, parto e pós que contribui muito para o parto normal, pois sem ela eu não saberia controlar as dores das contrações, iria para o hospital na hora errada e provavelmente iria ser induzida pela equipe no hospital a tomar anestesia e etc...

Relato do Parto de Sabrina Aguasto(mãe do Lucca)

Depois de muito pensar (ou não..rsrs) decidimos que queríamos um bebê, mesmo com a vida um pouco particular que temos, sempre mudando de cidade, estado e país, pelo trabalho do meu marido, Angelo.
Então, descobri que estava grávida no dia 11 de novembro de 2009...fiz um teste de farmácia e deu positivo, após somente 3 meses de tentiva. Estava de aproximadamente 3 semanas....na hora o susto!! Chorei muito e pedi que meu marido fosse até uma farmácia e comprasse outro teste!(e ele foi, coitado.) Era uma mistura de sensações, alegria, medo, desespero, felicidade..tudo junto e misturado! Fiz o outro teste e também deu positivo..PRONTO!! DEUS NOS HAVIA CONCEBIDO UM PRESENTE!! (mas para confirmar fiz no outro dia o de sangue também) Eu só chorava....por 3 dias foi assim! Meu marido ficou estático, não sabia o que pensar..a primeira reação foi me consolar....rsrs..meu maior medo, era não ser uma boa mãe...e agora? eu pensava...  Lembrando sempre que foi uma gravidez DESEJADA e PLANEJADA...
Bom, passado o susto veio a nossa primeira dificuldade: ENCONTRAR UM MÉDICO EM SANTOS...como é difícil um atendimento breve, acho que em qualquer cidade! acabei por ir na primeira que consegui (porque também eramos recém chegados na cidade e não conhecíamos nada)...DECEPÇÃO! Eu toda radiante (agora já passado o susto), porém, não menos perdida e uma das primeiras coisas que a Dra. me perguntou foi PARA QUANDO EU GOSTARIA DE MARCAR A CESÁRIA, e eu querendo perguntá-la sobre PN...me tirou o chão, fiquei calada e disse que iria pensar nisso mais tarde...
Enquanto isso em casa, procurava na internet informações sobre tudo...parto, amamentação, bem estar..tudo realmente! Foi assim que descobri as DOULAS, que depois seria super decisivo para meu sucesso no PN do meu filho LUCA...(É esse o nome do meu príncipe!) Aliás, quisemos saber somente no 5° mês qual era o sexo do bebê, porque tínhamos optado por não ver, mas ao final a curiosidade foi aumentando e não resistimos!
Esqueci de citar que antes de "girar o mundo" trabalhei por 12 anos em hospitais (Centro Cirúrgicos e Obstétricos) em Hospital privado e particular ... e isso, depois de um tempo, pesou muito na minha decisão pelo PN (PARTO NORMAL/NATURAL) ..
Saí mais confusa do que quando entrei naquele consultório...mas não desisti, procurei uma outra médica que me falaram no supermercado!!(fazer o que??rsrs) Também uma outra decepção, não por me perguntar da cesária, mas por uma frase que me tocou profundamente: " SE VOCÊ CONSEGUIR, EU FAÇO O PARTO NORMAL...mas depende da sua dilatação, da sua placenta, da seu condicionamento, várias coisas.." Aquilo me assustou, eu pensei: será que é tão impossível assim?? (minha bisavó materna, teve 15 filhos, todos de parto normal, na “roça”, trabalhando para sobreviver, até o último instante!)
Bom, fui ainda mais duas vezes nessa médica, mas não se criava um laço, uma afinidade e percebi que ela era "automática" falava sempre as mesmas coisas, como se fosse uma gravação. Resultado: MUDEI DENOVO!! 
Já estava do 2° para o 3° mês, e cada vez mais me amadurecia a idéia de um PN, só me faltava mesmo era apoio médico... desta vez, ouvi falar de um Doutor, jovem e promissor! consegui uma consulta, e lá fui eu denovo...ÓTIMO, muito atencioso...MASSSSS, quando falei que minha intenção era um PN, ele relutou.....nesse ponto também já tinha optado por ter uma Doula, estava procurando pela internet e quando falei pra ele....bom, uma "cara" vale mais que mil palavras, rsrs. E..lá vou eu DENOVO, procurar um médico que respeitasse a MINHA escolha!!  

Lei do acompanhante para gestante


Lei do Acompanhante no Parto - Nosso direito não está À VENDA!!!!

A partir de uma denúncia que relatou a cobrança de taxa em um hospital em Cuiabá-MT, o Ministério Público Federal no Mato Grosso firmou um Termo de Ajuste de Conduta com os hospitais particulares locais. Agora, todos eles terão de permitir a permanência do acompanhante de livre escolha da parturiente gratuitamente no acolhimento, pré-parto, parto e pós-parto imediato e afixar cartazes informando os direitos das gestantes. (http://noticias.pgr.mpf.gov.br/noticias/dest_sup/mpf-mt-move-acao-contra-hospitais-por-cobranca-ilegal-de-taxa)

Se você foi impedida de ter seu acompanhante nesse momento tão delicado que é o nascimento de um filho, DENUNCIE.
Se cobraram uma taxa para a entrada do seu acompanhante no parto, para a roupa (taxa de paramentação), para ele pernoitar, para a alimentação do acompanhante, DENUNCIE.
Se impediram a entrada do seu acompanhante por ser homem, ou por ser mulher, ou por não ser o pai, DENUNCIE.

Toda mulher tem direito de ter um acompanhante de sua livre escolha no acolhimento, pré-parto, parto e pós-parto imediato.
Todo plano de saúde é obrigado a cobrir as despesas de um acompanhante por esse período. É obrigado a cobrir a taxa de paramentação, a alimentação e a acomodação adequada para pernoite.

Se você se sentir mais a vontade, peça "sigilo de dados pessoais" em sua denúncia.

Amamentação


 AMAmentaÇÃO

Jaqueline Pascon tem 24 anos, mora em Assis, interior de SP, é psicóloga, e fez a gentileza de compartilhar conosco um artigo de conclusão de curso que escreveu no ano passado. Vocês podem ler o artigo inteiro aqui (são onze páginas que valem a pena). O que segue é um post fascinante sobre os caminhos e as origens da amamentação no Brasil.

Diante das discussões sobre a amamentação que vieram à tonadevido à proibição de uma mãe de amamentaseu filho no Itaú Cultural, em São Paulo; ao texto “Mamonas celestinas” de João Pereira Coutinho, colunista da Folha, que colocou no mesmo balaio o direito das mulheres de amamentar seus filhos em lugares públicos e a reivindicação do direito de se fazer outras cositas em público como masturbação, sexo, necessidades fisiológicas e até mesmo um banho na fonte; e à discussão do triode apresentadores do programa CQC 3.0, decidi escrever para nossa querida Lola e acrescentar algo para o debate.
O tema obviamente é a amamentação. Quando comecei a estudar o assunto, meu objetivo era passar rapidamente pela história da amamentação; em um segundo momento discorrer sobre a visão médica, em especial, a atuação dos pediatras com as mães e os bebês, e finalmente falaria da importância da amamentação para a construção do vínculo mãe-bebê. Contudo, conforme fui lendo e refletindo a respeito do aleitamento materno e da construção da maternidade, meu objetivo inicial tornou-se insustentável por vários motivos. Abdicar de escrever sobre a importância da amamentação para a construção do vínculo mãe-bebê a princípio não me foi claro, pois como o artigo destinava-se à conclusão de uma graduação em Psicologia, discorrer unicamente sobre a história da amamentação parecia-me “pouco”. Com as leituras e com a orientação de uma pessoa muito sensível, a psicóloga Karin Prado Telles, fui compreendendo que olhar para a amamentação como uma construção social, atravessada por interesses político-econômicose influenciada pelo contexto cultural, poderia ser muito importante justamente para arelação da mãe com seu bebê. Contribuir para o esclarecimento das formas de regulação do comportamento feminino exercidas pelos discursos vigentes de cada período histórico, que restringem as inúmeras possibilidades de construção da maternidade, seja por meio da amamentação, do parto e por tudo mais que se possa transformar em conhecimento especializado algo que antes fazia parte do conhecimento popular, poderia encorajar as mulheres atornarem-se protagonistas de sua maternidade. E aí entra outro impasse que divido com vocês, a dissociação entre a academia e a vida. No meu caso, decidi fazer desse artigo uma ferramenta para sensibilizar os profissionais de saúde às demandas de cada mãe e cada bebê, e isso eu posso autorizar-me a fazer porque sou uma profissional de saúde. Eu também poderia facilmente ter feito desse artigo um instrumento para dizer às mães que a Psicologia (com a letra maiúscula da Ciência) sabe que amamentar o bebê é primordial para o vínculo entre elas e seus bebês, como seu eu, sob a égide da ciência, pudesse dizer-lhes que só existe uma maneira correta de ser mãe, eu que nem mesmo sou mãe, que nunca amamentei. Reconhecer que cada mulher é dona de seu corpo e tem o direito de exercer a sua maternidade a partir dos gestos, das palavras, dos saberes, enfim daquilo que lhe faz sentido, considerando que as decisões relativas ao processo de tornar-se mãe cabem a elas, e não simplesmente aos médicos, é mexer na relação de poder que os mestres do conhecimento científico estabelecem com a sociedade contemporânea. Eliane Brum, colunista da Época, presenteou-nos com um belo texto, “Parto com Prazer”, sobre o parto humanizado. Em um trecho ela relata a experiência de uma mãe que ao fazer perguntas sobre o parto ao seu médico teve de ouvir a seguinte frase: “Por que você está tão preocupada com o parto? Cuide das roupinhas e da decoração do quarto e deixe que do parto cuido eu”. Mais à frente, Eliane coloca que a internet permite às mães trocar informações sobre seus partos humanizados, resgatando uma tradição perdida: a das mulheres mais velhas ou experientes que compartilham seu conhecimento com as mais novas. Nossa sociedade legitimou o discurso “neutro” da academia, que desqualificou as experiências dasmulheres, substituindo o conhecimento construído a partir dos acontecimentos da vida por protocolos técnicos. Não há dúvida de que os recursos da medicina são importantes para a realização de alguns partos e para o auxílio de situações específicas durante a vida de uma criança, mas o que coloco aqui é o direito da mulher, e do homem também, em decidir como trazer seu bebê ao mundo e como cuidar dele, pois afinal o bebê é deles e não da equipe de saúde. Bom, como se diz aqui no interior, para não espichar a prosa, sugiro que leiam o texto de Eliane Brum, pois nos faz acreditar que existem formas de descontruir práticas e discursos que desconsideram as vivências femininas, que velam seu machismo pedindo às mães que amamentem seus bebês embanheiros ou com paninhos porque o macho alfa do alto da sua racionalidade não pode evitar que diante de tamanha obscenidade seus instintos sexuais venham à tona. 
A histórida amamentação no Brasil nasce do embate cultural entre os índios tupinambás -– que amamentavam seus bebês –- os colonizadores portugueses -– que trouxeram na mala o hábito de mães ricas não amamentarem seus filhos -– e os escravos africanos -– deduz-se que amamentavam suas crianças a partir de retratos do tráfico negreiro. Não demorou muito para que se implantasse na sociedade brasileira a cultura de que não era apropriado às mulheres pertencentes à classe social dominante utilizar seus seios para alimentar seus filhos. Em Portugal, coube às saloias, camponesas da periferia, amamentar as crianças das famílias abastadas, e aqui no Brasil, com a recusa das índias em desempenhar essa atividade, as escravas africanas foram comercializadas e utilizadas como as conhecidas amas-de-leite. 
A partir do século XIX a Igreja, o Estado e Medicina uniram-se na construção do amor materno e na valorização da maternidade como estratégia de controle social das mulheres. Os higienistas tratavam a amamentação como uma obrigação da mãe, que era vista como um ser determinado biologicamente, sem influências sociais e psicológicas. 
No fim do século XIX e começo do século XX, o aleitamento materno deu lugar ao aleitamento artificial. A industrialização, a urbanização, a entrada da mulher no mercado de trabalho, a redução da importância social da maternidade e a descoberta das fórmulas de leite em pó foram os principais fatores que contribuíram para a diminuição da amamentação.
No início da década de 70 do século XX, foi discutida mundialmente a prescrição e o uso indiscriminado de leite em pó, especialmente nas áreas pobres como Ásia, África e América Latina. Nesses locais as precárias condições de higiene e até mesmo a ausência de saneamento básico favoreciam a mortalidade infantil por desnutrição, desidratação e doenças infecciosas. As mães, ao prepararem as mamadeiras de seus filhos, utilizavam água de péssima qualidade e não utilizavam a proporção adequada de leite em pó para economizarem. 
Na sociedade brasileira, a partir da década de 80, inicia-se um movimento de valorização da prática do aleitamento materno graças ao desenvolvimento, em 1981, do Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno (PNIAM). Desde então, várias políticas públicas de incentivo ao aleitamento materno têm sido desenvolvidas com o apoio da OMS e da UNICEF. Hoje contamos com os dez passos para o sucesso na amamentação, considerados um divisor de águas na promoção do aleitamento materno e um pré-requisito básico em todoo mundo para que uma instituição de saúde receba o título de Amigo da Criança, implantado no Brasil em 1992.Bom, gente, é isso. Fico feliz em poder contribuir com adiscussão, já que ainda não posso participar dos “mamaços”.